quarta-feira, 17 de abril de 2024

... somos mantimento de clareiras sem pronúncia.


Sobre as ruínas

paira uma sombra ténue.

Demoro-me no lugar onde as árvores

se inclinam sobre verbos desatentos.

Exponho os pés

e ouço ainda o verão no saibro avermelhado

sob o tráfego dos nossos passos

quase clandestinos

quase imateriais

como a voz que vem do rio

e já não respira na nossa boca.

 

Não há céu para a claridade.

Pressinto-o nos azulejos da estação

na clareira aberta do silêncio

que sobressalta de ausência os carris tomados de dor.

 

"Sinto-te a presença suave no calcanhar dos dias

como sensação de te pressentir mais perto ainda.

acerca-se-me calma a viagem por que anseio

sem a catástrofe do indesejado regresso...!"

 

Neste mapa demorado na memória

o poema cai    desamparadamente.

Somos amantes mudos

inquilinos de um futuro sem candeia.

 

Sobre as ruínas nenhuma ave

nenhum milagre.


07 de abril 2024
Aveiro/Lisboa

Foto:Eva Brzowska

5 comentários:

Graça Pires disse...

No mapa desamparado da memória estremece a culpa das nossas o obsessões pelas sombras quando procuramos a luz. Nenhuma ave, nenhum milagre suspende o silêncio com que desarticulamos o eixo das palavras com desatentos verbos.
As saudades que eu tinha de te ler aqui na beleza de um poema.
Bem hajas pelo carinho das tuas palavras.
Um beijo, minha Amiga Luísa.

Juvenal Nunes disse...

Uma clareira é sempre uma brecha na densa teia que nos enreda no dia a dia.
Abraço amigo.
Juvenal Nunes

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...


Que surpresa tão grata.
Voltar a ler poesia de tão alta qualidade.
A claridade é pouca para um céu tão ansioso.
As sombras seguem-nos pela cidade em alvoroço.
E somos peregrinos de uma esperança que é quase uma utopia.
Muito obrigada por este poema.
Um beijo
:)

Jaime Portela disse...

Não há milagres...
E, na verdade, "somos inquilinos de um futuro sem candeia". E, se eu fosse crente, diria que o futuro a Deus pertence.
Este seu poema é brilhante, parabéns pelo seu talento poético.
Não conhecia o seu blog e fiquei encantado com os poemas que li. Embora tenha publicado muito pouco nos últimos tempos, talvez por falta de maré...
Boa semana.

She disse...

Olá, prazer!
Passando para te conhecer e me deparo com essa belezura de poema. Amei! Lindo demais.
Beijo, beijo.
Sheila (She)