domingo, 30 de junho de 2024

 


Ao amor conserva-o,
atenta no prazo de validade,
que nada tem a ver com a idade,
e come todo o amor antes que o amor acabe.

Raquel Serejo Martins


o sol esgueira-se com um torpor manso

sobre a casa da aldeia

lá longe, onde a memória me sorri

como uns braços pequeninos de criança.

eramos inteiros na agudeza de um verão sem calendário

lembras-te? ensinavas-me que o amor

é equação que altera as estações.

era outono e era verão, era natal e era verão

era inverno e era verão.

 

e sem aviso   arde o tempo sob a pele

e há questões que me sobem ao coração

 como se o sol arquivado fosse uma seringa

 - que de quando em vez -

atravessa as veias e as incha de um plasma

que transborda de lucidez

clara e lavada como as casas mais a sul.

 

antecipo ao olhar um garrote apertado

para não cegar desse rasgão que se alinha

como aves     ao meu corpo desentendido de distância.

 

digo-te    da matemática só sei uma conta simples:

dividir o amor em pequenas taças e guardá-las

ciosamente    para o frio mudo do inverno.


foto: Luísa Henriques

2 comentários:

Graça Pires disse...

Voltar à infância, à casa da aldeia, aos braços da mãe, ao lugar onde é sempre verão porque tudo nos envolve e aconchega. Voltar à inocência e nela permanecer mesmo quando a vida sente o rasgão dos dias. Saber resistir. Saber partilhar uma alegria simples e fraterna.
Escreves para me comover, minha Amiga Luísa.
Um beijo enorme.

Jaime Portela disse...

Ainda me lembro do verão sem calendário... que só aparecia quando o regresso às aulas era uma angústia, porque anunciava o fim dos veraneios em definitivo.
Gosto da escrita da Raquel, seja prosa ou poesia. Conheci-a há uns anos no lançamento de um seu livro e achei-a uma pessoa encantadora.
Boa semana minha amiga de marés.
Um beijo.