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as horas em que vigiamos o escuro
os sítios nenhuns das imagens
a ligeira mudança que rsgataria
o abandono, todo o abandono
José Tolentino Mendonça
mil vezes larguei as sandálias ao pé das raízes do que fomos
mil vezes descrevi os pássaros das margens
que voavam em círculos sobre a loucura.
tantas outras na maioridade das estações
com a saliva aflita dos sentidos
rasurei a negrito os espólios da linguagem pronunciada.
por essa altura
os homens à beira dos 4o abandonavam-se à ilusão da cidade.
desciam a rua com a metade da sua solidão deitada à vida
e a outra metade
[ de uma possível alegria]
a pedir filhos ao futuro.
pobres de nós aves permanentes de um céu cego
filhos de um verbo inconfidente
no centro oficioso de uma póstuma voz.
dedicadamente sobreviventes
divididos pela mesma noite sem febre
juntos no desamparo desta sombra deslizante no seu reflexo.
já é tarde para nos empenharmos a descodificar
o que vive sob a língua.
a vida consome-se no espaço cada vez mais exíguo
das breves felicidades.
e eu já te disse adeus mil vezes.
no silêncio mais puro que assedia as últimas metáforas.
o silêncio que não escreve a nossa morte.
foto anke. merzebach
9 comentários:
as tuas palavras estão sempre cheias de despedidas...
deve ser por isso que vais e vens, dando quase uma "volta ao mundo", sem te preocupares em espantar as marés...
abraço Luisa
"mil vezes descrevi os pássaros das margens
que voavam em círculos sobre a loucura."
Uma beleza de poema, minha querida amiga. Que bom teres voltado.
Mais de mil vezes te pedi que o fizesses, lembras-te? Tinha saudades de te ler neste registo tão do jeito de quem sabe manejar as palavras...
Um grande beijo.
Sinto-me muito feliz por ser o primeiro a comentar, mas tal como indicava: "Sem comentários".
Sinto-me tão próximo destas palavras, quase que me sinto tentado a continuar este poema. As suas palavras estendem-se indefinidamente como os raios de sol que doiram as vidraças.
Muito obrigado pela partilha.
Os pássaros sempre voltam
a fingir de pássaros
mas voltam
Bj
Como posso ter sido longe destas "Marés de Espanto".
Feliz por tê-las encontrado para poder deglutir sílaba a sílaba este dizer encanto.
Um beijo
Lídia
Luísa,
fiquei feliz por ter passado pelo meu blog, assim pude conhecer o seu - você é uma grande poeta, parabéns, suas palavras são profundas e tocam os corações dos que tiverem a sorte de chegar por aqui.
Abraços do Brasil,
Tereza
a despedida sem o ser....a memória em carne viva, a poesia viva
que belíssimo poema
:)
a migração da semente
Há mortes impossíveis.
Que nem mil adeuses conseguem materializar.
Por isso, talvez nunca seja tarde para nada.
E, passados 9 anos, não foi tarde para eu ler este excelente poema.
Boa semana.
Beijo.
Continuo a recuar, se não publica novos poemas ainda me arrisco a bater no fundo...
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