terça-feira, 31 de maio de 2011






descalcei os pés para te falar.
sabes, mãe, aos domingos a terra respira  mais temperadamente o pranto dos homens.
 há pombas a sobrevoar a casa, uma a uma, como espadas brandas a baralhar o tempo para que o coração não pare. tu sabes, ainda sabes, que as perguntas me crescem no veneno dos dias comuns, e o barulho que antecipa o desamparo das noites é um garrote clandestino ao trânsito da tua voz. por isso, regresso sempre, como mendigo de luz à casa da inocência. ao pronunciamento dos grilos nas primeiras hastes da luz. e se a teoria do retorno é caso que a ciência não desvenda, o eco do lugar ergue-se aos dentes da manhã para que eu lhe responda, insuspeitamente, sem as alvíssaras dolorosas que a insónia me vai agrafando ao rosto.  mas nada flui do coração do desamparo: as cordas vocais estrondosamente pulsantes. as palavras pastosas na memória da boca, longe. longe e tão perto do tumulto rumoroso dos pés descalços nos fetos do pátio. os meus pulsos alongam-se, injustificadamente, na tentativa sempre imperfeita de te tocar. e todos os dias são omissos às pálpebras queimadas. os dias da casa  vazia  que me apaga lentamente de cúmulos. e todos os dias apareces, luminosamente, como se  dissesses que o fulgor das papoilas é um tempo mais breve que o instante em que florescemos. o meu filho ao teu colo, o caule da minha carne que te acompanha a raiz até ao pranto da terra.
deito-me a ouvir-te o coração. e finjo que me chamas para acordar.

 tela::gudiol

13 comentários:

Luis Eme disse...

bonito, melancólico e triste.

beijos Maré (e saudades)

Graça Pires disse...

Um poema que me tocou tanto, minha querida amiga.
A mãe: lua cheia de aconchego, rio quente onde podemos albergar o pânico de ter crescido...
Ainda bem que voltaste...
Um beijo de saudades

Mar Arável disse...

Profundos os aromas

da preia.mar

Virgínia do Carmo disse...

A saudade pode ser esta espada branda a atravessar-nos de dor, a fazer-nos sangrar este grito impossível. Mas sei que a poesia há-de estancar o sofrimento.

Beijinho, Maré

(sempre tão bela, a tua escrita)

Manuel Veiga disse...

belissimo na sua expressão de ternura e saudade...

beijo

henrique doria disse...

è lindo o teu poema querida Luísa.Saudades

Maria disse...

breve breve é o tempo. este tempo nosso. ou que já foi nosso...

Beijo, Maré.
com saudades...

Anónimo disse...

Sei pouco de versos e poemas, sou mais virado para o espanto do olhar. Mas há palavras que me tocam como estas suas.São tristes, é verdade, mas não menos belas. Obrigado
Z.

Anónimo disse...

Belissimo texto... Um abraço.

teresa p. disse...

Um texto carregado de melancolia, mas extremamente belo, que muito me tocou.
O que escreve tem muita qualidade!
Abraço.

lupuscanissignatus disse...

gume

de

luz



*beijo,
Maré*

Anónimo disse...

um grande beijinho, querida maré*

(vim re.ler... é tão bonito...)

gosto de ti,

alice

Jaime A. disse...

A dor... a ferida aberta invocando os dias na separação sem regresso...

Porquê tanta tristeza, marés?