sexta-feira, 19 de agosto de 2011





nenhuma clareira se estende ao verão.
a cidade avoluma-se de gesso pardo, quase imaterial. gente invisível
corpos  andantes, soprando a lentidão difícil da respiração.
aceno-lhes,  da anónima transitoriedade da luz que embrulha a tarde.
ninguém  nota. um degrau,  antigo de séculos, acumula-me.
 estou só  e é tão grande o peso do céu sobre a casa.
acendo uma palavra pura, uma palavra que seja o respirar de um pensamento
 para que a sua ressonância me toque o ombro
ou a minha boca se engravide de milagre.
porém,  aresta a aresta , ela esmaga-se contra um silêncio de esquinas pontiagudas.
então, a casa grita e um fio de sangue reduz a flor inicial a um objecto inanimado.
 tudo na memória  se perfila e é um rio que se move
 como um deus triste nos princípios de um sorriso.

- desde quando esta água é substância suicida dos instantes?

nenhum fogo fabuloso, nenhuma harpa no silêncio.
breve, tão breve como a  conjugação de um agosto sem aves

 eu, nocturna, regresso  onde o poema faz sombra.



tela: paulo ossião

19 comentários:

AC disse...

A casa, pelo menos, possui a esteira envolvida em quadros de memória, fios de água com história em busca da confluência...
Belo, muito conseguido!

Abraço

Graça Pires disse...

Regressar onde o poema faz sombra para encontrar a clareira de luz onde as aves vão beber o silêncio "antigo de séculos" que transfigura as palavras...
Mais um poema maravilhoso minha querida Maré. Um beijo imenso.

Luis Eme disse...

palavras bonitas, ainda que cobertas por uma sombra, que quase as deixa à beira da "chuva"...

beijos Maré

Virgínia do Carmo disse...

Somos regressos constantes. Sobrevivemos muito para além da nossa força.

Tão belo, Maré.

Beijinhos

Anónimo disse...

Absolutamente belo , passei para ler-te e reler-te ... Que Bom encontro , Maré ...
Um abraço
_______ JRMARTo

Manuel Veiga disse...

luminosas sombras que te habitam!
e se fazem poema.

belíssimo.

beijos

Maria disse...

Tão agosto
tão belo
tão breve...

beijo, Maré.

Mar Arável disse...

Não fosse verdade e é

os céus terem um peso insuportável

a tua casa seria e é

um pomar luminoso de palavras
água de beber

Bj

tempus fugit à pressa disse...

nocturna sombra

diurna noite...

um dia a imagem de arcos esbatidos

onde há sombras nocturnas no fundo

virá tornar negros os mundos

delineados por falsos sentidos

ou ôtra merde com sombreados obscyurus ynseguros

lupuscanissignatus disse...

magnética

ressonância


[que cruza
o corpo da
casa]

*****

beijo

© Maria Manuel disse...

«-desde quando esta água é substância suicida dos instantes?»

que bom reler-te, Maré! tua poesia da sombra, da solidão, do silêncio, da noite, da perenidade em que morrem os instantes. tua poesia tão bela e encantatória, onde és luz e voz, chama de crepúsculo e melodia de harpa.

beijo grande, Maré.

Anónimo disse...

Lendo "palavras puras" em versos plenos de seiva que me dilatam a alma.

Mais que perfeito.

Parabéns

Sofia

George Sand disse...

Muito bonito.
Não cohecia o blog.

© Maria Manuel disse...

releio, maravilhada, e interrogo-me se voltarás...

beijinhos.

Aníbal Duarte Raposo disse...

Lindo este poema. Obrigado por o tere s escrito.
Beijo

Jaime A. disse...

Porquê tanto peso na solidão? Talvez a tristeza...
As sombras, também o poema e a casa, claro. E, no poema, esbate-se o silêncio...

© Maria Manuel disse...

um beijo de Boas festas e votos de um Bom Ano Novo 8apesar de tudo...).
saudades de te ler...

Maria manuel

Virgínia do Carmo disse...

Maré, venho desejar-te um feliz Natal e que o novo ano nos traga mais palavras tuas.
[Se vierem por bem.]

Um enorme beijinho

je suis...noir disse...

Espantos em ondas revoltas daqui até mim, em todas as minhas marés...