quarta-feira, 13 de abril de 2011

e quantas vezes te ouço chamar
                                                    na tragédia vulcânica do meu sono?






pouso as mãos no rigor deste lamento contemporâneo

que lambe o longe.

a minha nuca estremece o chão dos passos gastos na tua face.

são tantos os incêndios que a noite semeia sobre a brandura

e nada se extingue. é de fulgor doente este silêncio.

nos olhos quase mortos de brancura

quando a manhã acorda a sinuosa linguagem da luz

o tronco de uma velha árvore

ergue-se ao magnetismo de um céu já cego.

e o dia espanta-se, magro e descarnado

na austeridade de um azul sem espólio.

o amor guardado numa algibeira rota

semeia o presente de uma voz que se apaga

na intermitência do seu reconhecimento

os rasgões da insónia pontuando a carne da tristeza que se abre às coisas

e eu, pássaro longínquo

carrego a desordem do vento na geografia devoradora do rosto.



se chega a noite e o corpo estremece pelo sexo da madrugada

recolho o corpo encapelado na nudez do mundo:

a mão fria de esclarecida escuridão

em andamento branco na crosta despovoada do mar.



dias e noites, noite após sono

veias inchadas de memória:

alimento de poemas atónicos

a dividir em dois um corpo de mulher.



tela: gudiol

18 comentários:

Graça Pires disse...

São tantos os incêndios, tantos os silêncios, tanta a sede, que o poema ganha o som de um grito. Tens um lugar de culto no brilho deslumbrado do pensamento...
Um belíssimo poema, Maré.

lupuscanissignatus disse...

ave

fulgurante






*um beijo,
Maré*

Maria disse...

Belo! A sensação de que acabei de ler um poema dos que nos fazem respirar melhor, tirando-nos a respiração. Belo!

Beijo, Maré.

Mar Arável disse...

É assim a rasgar palavras sem limites

que nos transportamos

contra todas as fomes

e nos lambemos

quando poisam nos mastros

aves de Abril cravejadas de sonhos

e outras madrugadas

Bjs

Luis Eme disse...

apetecia-me dizer-te que o amor não se guarda em algibeiras rotas, mas há tanta gente distraída, mesmo no amor...

e se até os poemas atónicos se cobrem e se dividem, ainda que seja na "febre" de um sonho...

beijos Maré

Nilson Barcelli disse...

Excelente...!!!
Já há muito tempo que não te visitava, mas vejo que continuas a fazer óptima poesia.
Bom fim de semana.
Beijos.

Henrique Dória disse...

Regresso ao Odisseus depois de um tempo de pausa por motivos de saúde da minha filha.

Entretanto, muitas águas passaram sob as pontes. Portugal entrou num período crítico. Mais do que nunca se tornou urgente refletir no país que queremos e no que devemos fazer para termos o país que queremos.

Penso que o dia de hoje foi um dia importante para o futuro de Portugal. Hoje, no jornal PÚBLICO, foi publicado um manifesto assinado por homens livres e honestos, entre os quais os meus amigos VASCO LOURENÇO e RUI NAMORADO.

ESPERO QUE NÃO FIQUEM POR AQUI.

Já tenho repetido no Odisseus que Portugal é um país esquizofrénico, em que há um eleitorado que vota no PC, no BE e no PS por serem o mal menor. É urgente que aqueles que defendem a JUSTIÇA como algo de essencial para que o nosso país deixe de ser uma terra sem direitos para tantos, saibam e tenham a coragem de pensar, mas também de agir. É necessário que aqueles que estão em espaços nos quais já não acreditam tenham a coragem de deixar esses espaços e construir algo em que acreditam.

utopia das palavras disse...

Nada se extingue, num sono velado pelo augúrio das memórias!

A tela é fabulosa.

Beijo

Anónimo disse...

muito belo!



alice

maria josé quintela disse...

belíssimo!





beijo L.

Anónimo disse...

Gostei muito de ler.

A. disse...

Noites terríveis!... Noites que fustigam a carne, a tatuam com agulhas em brasa, incandescentes, sem dó nem piedade!... Essas noites que a cobrem, a possuem, revolvendo o corpo dos mais estranhos sonhos, dos mais simples desejos… acariciando, cada poro do corpo e da Alma com alvoraçadas insónias na pontinha de uma delicada pena!... Como se as cócegas que a fizessem rir, a impelissem a uma revolta tão interior, tão entranhada no fogo de sua própria carne que tudo que a envolve… lhe provocasse a construção sólida do que mais deseja!... Porque a memória está em carne viva… ardendo-lhe no inferno dos sentidos!... E, com certeza, da Saudade!...


Boa semana




Abraço

Virgínia do Carmo disse...

"Veias inchadas de memória"... Somos, talvez, esta dor dilatada na impossibilidade do esquecimento...

Maré, vergo-me, hoje e sempre, à beleza da tua escrita.

Beijinho

Manuel Veiga disse...

bela a tua escrita. a raiar o sublime...

gosto. muito e mais ainda

beijos

A.S. disse...

Sublimes são as palavras que estremecem perante o ardor dos silêncios...


Beijos!
AL

Jaime A. disse...

Tanta tristeza...
nem a alvorada traz a o recolhimento...
o amor,
o sono que nem deve existir no seu pesar...

Conseguiste, magnificamente, "passar-me" toda essa tristeza... juntamente com a prazer de te ler... sempre!
Beijos

momo disse...

dios que belleza...te encontré por el puente de L ...UN ABRAZO

Cátia disse...

Vim conhecer-te por aqui... e agradeço te-lo feito, tal é a suavidade e intensidade da tua escrita... obrigada...

Um beijo
CA