preciso das aves para fechar o dia.
imagino o inverno à volta do corpo
os seus dedos brancos, intermináveis,
o frio a mover-se
para dentro, como um lobo a arrastar-se pelas veias
e qualquer coisa insistente,
nocturnamente excessiva,
a deflagrar-se como centelha corrosiva pelo sangue.
a impotência, uma noite ampliada
a dividir-me a voz. os mortos que a cidade carrega,
as ruas, crispadas, com as mãos antigas do mar sobre o nome
e as palmeiras como almas sem pátria
fantasmas negligentes que as águas repudiam.
os passos da sombra agigantam-se sobre a volumetria das casas.
as mulheres, viúvas da alegria, pesam a sina pelo chão,
perturbadoramente
e um som espalha-se como fumo
no eco pobre da guitarra.
umas mãos que me prendem o nome, me exploram os olhos da ansiedade
e colidem com a rota esgotada de um pássaro
- vens amanhã? e eu não digo.
é o dia das promessas expiradas.
imagino o meu rosto dominado pelas chuvas
território absoluto da ignorância,
manifesto sem alineas consistentes
forçosamente branco
dispo-me e deito-me, inocentemente nua,
assim, como se fosse aprender a sonhar.
ft: istván kerekes
18 comentários:
Sente-se o desenho da asfixia, com as palavras a tentar de respirar, a soprar para lá as sombras...
Belo, denso e intenso...!
Beijo :)
Intenso dedilhar pelo anoitecer até ao sonho possível.
Beijo, Maré.
lindo...
que saudades de te comentar, Maré.
beijos
sei que me repito...mas, nunca é demais dizer e escrever, que és um expoente máximo da poesia...
acho que a Gabriela vai sentir-se muito feliz em ler este trabalho.
parabéns às duas.
uma boa semana e um
beij
e assim se fez luz
Bj
Linda forma de tecer palavras, Maré... sempre como se fosses aprender a sonhar - ou como se os sonhos te fossem aprender...
Um beijinho!
[feliz por poder deixar de novo o meu rasto no eco das tuas palavras]
o sofrimento mantém-se e a dor não pára, nem sequer é agradável: tudo a chuva domina...
"umas mãos que me prendem o nome, me exploram os olhos da ansiedade".
Belíssimo!
Existe uma geografia de sangue rasgada em tuas mãos e ninguém pode decifrar os desertos imensos com que povoas o corpo de sossego...
a inquietação
das
aves
[ensina-nos
a sonhar]
*um beijo,
Maré*
belo e excepcional este poema para a Gabriela, que vai gostar muito!
por entre a ferocidade do inverno e os passos a arrastar o destino pela cidade moribunda, sempre chagamos ao fim do dia como pássaros feridos. e, no tentanto, precisamos de sonhar, de continuar... «preciso das aves para fechar o dia» e, diria, também para começar outro.
beijo, querida Maré.
tão lindo, Luisa:)
Beijinho,
mariah
muito bem. sente-se o poema a crescer. por dentro...
gostei muito.
beijos
Belo , maré , um poema muito vivo , que leio devagar , ao sabor das palavras ...
abraço
tchiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii,Luísa!
confundes.me ,minha querida!
na alegria de ler.te
no gosto imenso de voltar a comentar.te
na minha pequenez face à tua dedicatória e
,sobretudo
,perante o teu excelente poema
rendo.me ,gratíssima e sem palavras
.
um beijo
( não voltes a desaparecer ,prometes? )
quando as palavras despem a inocência
um beijo
As minhas mãos de arminho, brincam com as palavras de uma rainha, inocentemente nua, e vão banhar-se no lago do luar, como se fossem também aprender a sonhar...
Um beijo!
AL
estás no teu melhor, diria eu que não sei nada e só sei sentir!
tudo aqui é beleza pura!
belíssimo!
beijo.
mjq
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