terça-feira, 25 de maio de 2010




trazes-me uma voz a acontecer longe da anunciação dos anjos.
da pele que ainda respira
entrego-te o nome e a cumplicidade da saliva.
o sol adormece devagar sob o Outono dos dias
e nós que somos breves sobre o chão
recapitulamos gastos passos no edifício da tristeza
que de quando em vez abre uma janela ao mar:
pobre remendo no rumor hemorrágico do poema.
e se nada me atravessa o corpo
que pedra vai florir sobre os abismos?
esqueci como voam as aves.
no fundo de todas as interrogações
as vogais traçam inquilinos de uma casa em ruínas.
penso - muitas vezes - que a morte se anuncia como desastre
em qualquer curva quando as palavras circulam abertas ao pensamento.
infinitamente lúcida
a noite diz-me que é ilusória a passagem do teu corpo no meu sangue. cristalizo o desassossego da luz:
só uma canção triste me inquieta as mãos.


t: klimt

25 comentários:

Anónimo disse...

Lindo! É tudo e diz-me muito.

Luis Eme disse...

aproveita bem quando se abre uma janela ao mar...

saboreia o vento norte, a maresia atlântica.

beijos Maré

Maria disse...

enquanto a pele ainda respira deixo-me levar pelas tuas palavras. mergulho no abismo de onde sei que não saio sem asas. vou tecê-las em cetim azul, porque a inquietação ainda não me deixou. e respiro...

Um beijo, Maré.

lobices disse...

...e passar pelas tuas palavras nunca será um desassossego, porque nas tuas palavras há sempre uma janela aberta sobre o mar...

Sentado no Fim de uma Âncora disse...

Magnífico poema cheio de sentimento e de verdade

Neste amplo gesto de luz
Como no amplexo voo das aves
Em largo oceano de sentimentos
Trespassa a inquietação translúcida da palavra
Cruza o equívoco da lucidez
Habita genuíno desassossego
No imperativo da noite e do dia
“Na anatomia de antagonismos”
Se faz absoluta destreza de sentimentos

Excelente imagem de Gustav Klimt

A.S. disse...

Na ilusória passagem d teu corpo pelo meu,
se descobrires o que é o amor
deixa-o escorrer dos teus lábios para os meus...
talvez assim eu lhe reconheça o sabor doce
e invente uma canção para te inquietar as mãos...


Beijos
AL

© Maria Manuel disse...

bela a expressão do desencanto, inquietude do corpo na lonjura da maresia, do sal na pele. rasar o abismo, criar asas à janela aberta -

beijinho, Maré

Mar Arável disse...

Quando se abre uma janela
para o mar

nem a morte morre
depois de morta

tudo se respira

e levanta

bjs tantos

Virgínia do Carmo disse...

Como dói tamanha lucidez...

Beijo (algo doído...)

Graça Pires disse...

"só uma canção triste me inquieta as mãos".
Há uma geografia de sangue riscada nos teus pés e ninguém pode decifrar os desertos imensos com que povoas o corpo de sossego.
Mas não esqueças: uma flor nasce onde menos se espera...
Um beijo enorme, maré.

Licínia Quitério disse...

Um desalento imenso. Esquecer como voam as aves? E importa o como? As tuas marés são mesmo de espanto. Um belíssimo corpo de espanto, diga-se.

Um beijo, Maré.

Anónimo disse...

tu és uma pedra em flor, maré*

beijinhos...

Anónimo disse...

corpo

de

álamos


*bom-fim-de-
semana*


Lupussignatus

APC disse...

como se fôra concha; a tua escrita é desassossego sim.
Beijo

Jaime A. disse...

O sossego da mansa luz,
a canção triste,
a noite da anunciação,
o segredo,
a ráfia das memórias

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

uma poesia muito bela.

todas as estrofes muito bem "cuidadas".

gostei muito!

beij

Nilson Barcelli disse...

Os remendos são pobres, de facto, mas por vezes são a tal janela que se abre...
Excelente poema, querida amiga. Continuas as escrever como poucos.
Boa semana, beijo.

Rodrigo disse...

Edificios levam tempo. Belo.

Gabriela Rocha Martins disse...

excelente ,como tudo o que sai desses dedos esculpidos em poesia



.
um beijo

Anónimo disse...

basta querer voar que logo chega a lembrança das asas.

a beleza mora sempre aqui.


um grande beijo L.



MJQ

Manuel Veiga disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Manuel Veiga disse...

poema desassossegado e luminoso.
belíssimas imagens poéticas - que criam cumplicidades. no rumor do Poema.

gostei muito.

beijos

Anónimo disse...

No desassossego das palavras ditas, perdura a memoria de um sentimento que se queria vivido.

Na calma do toque não vivido a dois, sente-se o bater descompassado de um orgão de fogo que não se queda.

Mas o dia, adormece como a noite nos acorda e verificamos que em todo o desfolhar de uma nova vida reside um novo eu... uma outra visão, do que ficou para trás, do que sentimos no presente e, acima de tudo, do que deverá ser o que vemos no horizonte.

PS- só assim, encontro alguma da sanidade perdida... umas vezes dada, na maioria das vezes, roubada!

Jaime A. disse...

sempre o regresso a este texto lindo...

KrystalDiVerso disse...

A mesma canção que entrecorta um único momento espelhado num chão que não reflecte a imagem que teima em apagar-se!... Na verdade, essa imagem deixou de existir e tudo que resta é o reflexo natural da perda de um desejo conformado e cada vez mais distante!... Como se a partida se repetisse incessantemente e a contemplação dessa partida a acompanhasse até á linha vertical que distorce o horizonte, oferecendo uma posição desfalecida que ajuda à contemplação do céu incolor e indecifrável!... Essa linha do horizonte rasga a saudade de alto a baixo, atravessando o mais profundo medo que a resignação aceita!... Restará um Poema?... Talvez fluido na linha muito fina do horizonte inatingível!.... Mas sempre tão perto da esperança!... E do desejo!




Bom fim de semana




Esacolha entre... beijos e abraços